“SÓ BEBO PURO MALTE!”

Zoletando
7 min readDec 8, 2019

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COMPARAÇÃO DE INGREDIENTES: PURO MALTE X "PURO MILHO"

Cervejeiro: Thiago Zolet

Para a grande maioria dos cervejeiros caseiros brasileiros além da Peste, Guerra, Fome e Morte, há um quinto cavaleiro do apocalipse chamado Ambev, e seu selo são os adjuntos. Mas eis que o apocalipse iminente vê uma luz no fim do túnel com a “revolução artesanal”. Segundo o Wikipedia, no artigo A Historia da Cerveja no Brasil, essa revolução consiste em “Uma maior educação do público em geral para com a bebida, assim recusando as cervejas de cervejarias grandes, que transformam a cerveja no mais próximo de água possível utilizando o mínimo de lúpulo e malte, substituindo-os por insumos mais baratos que assim barateiam o produto e prejudicam a qualidade, fazendo com que tais cervejarias incentivem o consumidor a tomar as cervejas a temperaturas muito abaixo do aceitável para o estilo, disfarçando assim seus defeitos claros”.

Quanta bobagem e arrogância num paragrafo só.

Costumo dizer que o problema do Brasil não é não ter participado de guerras. Mas não ter escrito sobre as varias e varias que ele participou (você aí, lembra delas?). Mas vamos lá, falando de historia, você sabe porque se usava Milho nas cervejas nos EUA?

Os imigrantes alemães chegaram e não tinham malte 2-row disponível. Só 6-row. E este tem uma carga proteica muito alta, deixando a cerveja turva. O que eles gostavam era de cerveja translucida. Aí eles misturaram 6-row com milho e ela ficou bonita. Ponto. Nenhum proposito de “incentivar” consumo de produto de baixa qualidade. Precisamos começar a escrever o livro da historia da cerveja no Brasil com mais zelo e cuidado e menos arrogancia…

Mas vamos o que interessa. Será que realmente conseguimos distinguir uma “puro malte” de uma cerveja “puro milho”?

Proposta

Avaliar a diferença de duas brejas, uma puro malte e uma com adição de milho.

Método

Tentei fazer a receita o mais próximo possível da agua, com mínimo de malte e lúpulo. Segundo wikipedia acabando com a qualidade dela.

Pilsen tipo Larger (com r mesmo — homenagem ao tio do buteco)

Fermentáveis

Lúpulos

Levedura

Perfil da Água (adição de sais no mash e na água de lavagem)

Outros

Dia de Brassagem: Separar os ingredientes e moer os grãos. Os flocos de milho vão ser usados direto na brassagem então não passam pelo moedor. Pesei os sais e medi o acido lático e coloquei tudo na agua antes de começar. Pesei a mão no cloreto (pro estilo é bastante) pra dar sensação de boca mas acho que deu ruim (mais sobre no final do post).

Dei um tempo de 30 minutos entre uma brassagem e outra para não me perder nos procedimentos. Para ambas as receitas mirei numa breja que secasse bem pra combinar com o estilo, logo a temperatura do mash escolhida foi 64C pelo tempo de 75 minutos.

Esquerda: Puro Malte — Direita: Puro Milho

Aos 15 minutos de brassagem de cada panela fiz a leitura de ph. O Previsto pelo Beersmith era 5,32 para versão puro malte e 5,33 para puro milho. Primeira surpresa apareceu aqui, puro malte bateu 5,38 e puro milho 5,34. Por que será que a com milho ficou mais próxima?

Esquerda: Puro Malte — Direita: Puro Milho

Hora da lavagem. Preparei toda a agua em uma mesma panela com os sais e corrigi o ph pra depois separar em duas panelas com os volumes de cada receita.

Sabe aquela dica que sempre dou em fazer ela a temperatura ambiente? Esqueça caso tu queira repetir essa receita com flocos de milho. Deu muita trabalheira, entupiu, atrasou as coisas, enfim. Com adjuntos faça a lavagem com agua aquecida. Vai por mim!

Ao final da fervura fiz o whirpool de 20 minutos e já abri a válvula no talo pra transferência para os postmixs onde ambas cervejas foram fermentadas. Primeiro fato interessante: Receita puro malte deu 1 ponto abaixo da OG prevista. E a puro milho? 2 pontos acima! Ta aí um resultado que não esperava, ter uma eficiência mais alta com o milho. Talvez o semi entupimento durante a lavagem pode ter colaborado, talvez outro fator. Segue o jogo. Aqui peço desculpas aos leitores, o animal de teta aqui esqueceu de tirar uma foto das OGs. Vão ter que acreditar em mim nesses valores.

Coloquei ambos os postmix no frigobar e aguardei ambos chegarem a 14C para fazer o pitching. Usei um pacote de levedura American Lager da Levteck, o qual fiz um starter (data de fabricaçao tava veinha) e depois separei em quantidades iguais em dois erlenmeyers sanitizados.

Ambas as brejas fermentaram por aproximadamente 2 dias a 14C até chegarem na densidade de 1013, quando subi a temperatura para 17C para o descanso do diacetil. Ficaram 6 dias nessa temperatura, foram trasfegadas para os kegs, carbonatadas e lagerificadas a 4C por 15 dias antes de serem servidas no painel sensorial.

RESULTADOS

O painel sensorial contou com apoio da Acerva — MG e do Köbes, local onde foi realizado o encontro. Um total de 17 pessoas de vários niveis de experiencia (de bebedor a juiz bjcp) participaram do painel sensorial, onde cada participante foi servido com a cerveja Puro Milho em dois copos de cores diferentes e servido com um copo da cerveja feita com Puro Malte em um terceiro copo de outra cor. Para ter 95% de certeza estatística de que a variável traz uma diferença significativa eram necessários que 10 pessoas identificassem a cerveja diferente, e foi exatamente o número de pessoas que identificou!!! Revelada a variável fiz mais um teste. Pedi pra tirar de cena um dos copos da Puro Milho. Sobrou então um copo com Puro Malte e um com Puro Milho. A pergunta foi: “qual das duas é puro malte?”. Pasmem, 8 pessoas em 17 acertaram.

DISCUSSÃO

Se você leu até aqui e ainda defende essa balela de puro malte, pare de beber NEIPA. Lembre que vai aveia não maltada na maioria delas. Pare também de beber Catharina e Sours com fruta. Não tome nenhuma Stout com lactose. Nem nenhuma Belga que vá especiarias e Açúcar. Acredito que a “revolução artesanal”, e aqui falo da caseira, foi justamente a faísca da experimentação, o “anti — Reinheitsgebot” (bem claro as aspas no sentido anti “pureza” e não anti cultura, ok?). Por que “pode” o tanto de adjunto que citei acima mas milho e arroz são coisas do demônio?

O PROBLEMA NÃO É O MILHO. O problema é você, beer chato.

Fiquei feliz que o primeiro teste mostrou que a variável é identificável. E mais feliz ainda que o segundo teste mostrou que nos NÃO sabemos identifica-la com precisão. E também achei interessantíssima a quantidade de pessoas que preferiram a cerveja com Milho. Foram exatamente 8 pessoas que a preferiram. Tudo bem que a quantidade é menor, mas em relações aos feedbacks do porquê da preferencia, nenhum citou o “defeito” de conter adjuntos, mas sim o realce que ele trouxe no amargor e secura e a leveza, por exemplo. Dos que preferiram a Puro Malte, zero feedbacks relacionados a ter ou não adjuntos. Aliás, ninguém nem ventilou a possibilidade de que havia milho ali.

O que fiquei triste: a cerveja com milho realçou gosto mineral durante a lagerificacao que pro meu paladar não ficou agradável (lembra do nível de cloreto que usei?). Vários feedbacks a esse respeito. Se você leitor quiser copiar a receita, não copie a quantidade de cloreto dela, ok???? É realmente difícil fazer uma cerveja de baixa OG e baixo nível de ingredientes e conseguir deixa-la equilibrada. Ou seja, as grandes comerciais têm sim um nível de qualidade, ao menos de processo, gigantesco. Quanto a qualidade do produto é bem pessoal. Mas fato é, temos 95% da população que gosta é de beber Pilsen, pra serem consumidas no nosso calor tropical, em grande quantidade (Vai tomar sua Stout na praia vai). Quando meu teste da nível de significância estatística de 95% eu considero que “quebrei um mito”, que estou certo. Vocês realmente acham que 95% da população brasileira que bebe brejas com milho estão TODOS ERRADOS?

Feliz Natal 2019 pra todo mundo e um 2020 com mais Pilsen e menos IPA ;)

fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_cerveja_no_Brasil

Esquerda: Puro Malte — Direita: Puro Milho + bonus copo sujo

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Written by Zoletando

Água, Malte, Lúpulo, Levedura e muita curiosidade de caçar mitos cervejeiros

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